quinta-feira, 19 de fevereiro de 2015

Maria Amália Vaz de Carvalho, "Pelo Mundo Fora" (1º cap.) e a homenagem-crítica à morte de Antero de Quental.

Embora Antero de Quental e Maria Amália Vaz de Carvalho nunca se tivessem encontrado, creio eu pois não há qualquer registo, Maria Amália, quando os Sonetos foram publicados em 1886, escreveu um ensaio acerca deles, onde alterna entre a admiradora da sua forma poética e da sua sinceridade com a crítica determinada da inacção e do budismo, do pessimismo e culto da morte que o poeta desenvolvera.
Tal livro serviu de ensejo a Antero de Quental agradecer numa simpática carta,  valiosa em especial para a compreensão das antevisões filosófico-espirituais que Antero via ou nutria em relação ao futuro da Humanidade, nessa época de Fevereiro de 1889.
Em 1896, no Pelo Mundo Fora,  Maria Amália Vaz de Carvalho publicará tal carta, antecedida pelas suas reflexões sobre a morte de Antero de Quental e as eventuais causas que a tinham provocado, desenvolvendo a sua argúcia psicológica...
Tal valiosa homenagem-crítica a Antero de Quental foi escrita em dois curtos capítulos e segue digitalizada, para já só no 1º capítulo, e anotada brevemente por mim no próprio exemplar, embora acrescente algumas reflexões nesta apresentação.
A origem do suicídio é vista pela escritora no domínio das ideias, da metafísica e na dolorosa incapacidade de equilibrar os vários pontos de vista contraditórios acolhidos ao longo da sua vida, bem como na sua atracção pela morte.
O texto mostra  compaixão e amor, tanto mais que ela nos diz que ficou muito impressionada pela sua morte e que só um mês depois é que conseguiu escrever. Mas também continua a mostrar a mesma grande incompreensão do Nirvana, do Budismo, do transcendentalismo ou da realização espiritual que Antero de Quental procurara, não discernindo bem os diversas realidades espirituais em causa.
É para reflexão todavia um bom texto, porque pioneiro na aproximação crítica ao Budismo em Portugal, e com alguns aspectos valiosos quanto aos sentimentos e ideias, perigos e seguranças para os que procuram a Verdade, tal como Antero de Quental.
Certamente que nos nossos dias temos muito mais facilidade de discernir as linhas de força que estão a unir a ciência, a filosofia, a religião e a mística, algo que Antero estoicamente demandou muito pioneiramente entre nós, sobretudo fora da religião católica, ou heterodoxamente.
Neste texto Maria Amália Vaz de Carvalho considera que ele falhou e que se suicidou por causas transcendentais, filosóficas, enredado no vazio e no pessimismo.
Todavia pelo que ele foi dizendo e escrevendo cremos que não foi assim pois ele suicidou-se por ter o corpo muito desgastado, sobretudo neurologicamente, e por estar desiludido em relação ao seu projecto esperançoso de se instalar nos Açores com as duas filhas de Germano Meireles, suas pupilas e a quem se afeiçoara. E não pela descrença da vida,  a agonia intelectual dilacerante e o amor da Morte que tanto desenvolvera...
Algumas das descrições ou caracterizações que traça do Antero metafísico são quase risíveis: «A ilusão, o vazio universal, que encarava ao sair das suas vertiginosas contemplações metafísicas, faziam-no recuar pávido e tremente». p. 175
Ou «a sua dor era uma destas dores de ordem aristocrática e rara, que não se originam como as da maioria dos homens no coração, mas que emanam do espírito cansado de cogitar em vão no mistério impenetrável das coisas...
Querem ver os espectros que enchiam de pavor sagrado as suas noites? Ouvi este soneto...». E transcreve os Espectros, como se tal não fosse mais que uma expressão literária decadentista e fantasmagórica:
«Espectros que velais, enquanto a custo
Adormeço um momento, e que inclinados
Sobre os meus sonos curtos e cansados
Me encheis as noites de agonia e susto!...» 

Mais ainda de assustar é a caracterização que dá do Nirvana a partir de extractos de referências em poemas de Antero, embora no último parágrafo se redima compreendendo-o um pouco melhor: «Aspirava ao Nirvana, à paz inconsciente; queria cair naquele oceano tenebroso onde na imobilidade indefinida termina o ser inerte, ocioso; e ao mesmo tempo a compreensão atávica da eternidade católica torturava-lhe em horas de luta e inquieto espírito.
Que aspiração intensa no ideal, a deste formoso espírito aliado! Que sublimes tormentos os seus, procurando sem descanso a verdade e a luz». p. 179.

2 comentários:

DdV disse...

Obrigado pela partilha. Gosto muito de Amália Vaz Carvalho principalmente o livro cartas a Luísa em que analisa com grande perspicácia a era de transição do séc xix para o xx no que diz respeito a descrença que se apoderou das almas em virtude das novas descobertas do materialismo científico. Também gosto de Antero e o Sr Pedro já me pôde dizer que as suas cartas as quais possuo são a sua melhor obra. Mais um vez obrigado. Li com prazer. Os melhores cumprimentos Carlos Oliveira

Pedro Teixeira da Mota. disse...

Graças, Carlos. Sim, as Cartas, as Tendências Gerais da Filosofia na segunda metade do séc. XIX, e mais alguns textos são o melhor, é claro não nos debruçando sobre a sua Poesia, onde também brilhou... Criei uma página no Face consagrada à Maria Amália Vaz de Carvalho e quando quiseres cooperar, força. Cumprimentos cordiais.