quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Hallowen, Samain, ou as celebrações sacras celtas e pré-cristãs...


                         Samain, Hallowen no ar e nas almas...
Esta celebração celta e druídica, dentro da imemorial religiosidade pré-cristã europeia, realiza-se entre o equinócio do Outono e o solstício do Inverno, em especial entre 29/10 e2/11, desenrolando-se em festejos, danças, rituais e orações que marcavam o fim e o começo do novo Ano. 
Eram os dias de entrada no Inverno e nas trevas maiores do tempo, difíceis e que exigiam certas energias acumuladas para um renascimento posterior. Seja a Divindade, sejam os Deuses e Espíritos da Natureza, eram evocados como protectores do novo ano e presenteados com energias aplacantes, sendo-lhes oferecidos rituais, poesias, danças e sacrifícios. 
As lutas entre as forças do bem e mal adivinhavam-se nas tempestades e raios, e os Deuses e espíritos da Natureza desciam mais à Terra e à visibilidade: o mundo de Sid (do além) estava aberto, as fronteiras esfumavam-se, as visitações, inspirações e oráculos podiam suceder...
Esta abertura ao Sid, ao mundo subtil e espiritual, era um dos traços mais distintivos dos dias da celebração do Samaim, algo que se conservou no Cristianismo, com os dias de Todos os Santos e o dos Mortos, que assinalam e apelam a esta abertura e sintonia maior entre os mundos e seres, na sintonia de frequências luminosas ou  vibratórias que conseguirmos...
Haveria uma tradição de localização de entradas para o Sid ou tal podia acontecer em toda a parte para todo aquele que o merecesse? 
Tradicionalmente sendo o lado do Sol poente, ou Ocidente, a terra para onde  também se encaminhavam os mortos e portanto da entrada no mundo subtil era para esta direcção que se sintonizava e,  portanto, quemnestes dias quem quiser orar ou meditar nestas linhas, poderá fazê-lo virado nesta direcção e aproveitando o balanço ou a corrente energética… 
Ou mesmo virar a cama para tal eixo e, ao adormecer, orar, sonhar e deixar-se levar ou activamente partir para o mundo intermediário e subtil, ou mesmo para a Ilha Afortunada, no meio do imenso Oceano da Manifestação, também denominada Avalon, a ilha da imortalidade ou das maçãs pentagonais que a propiciam...
Ou seja, a ilha ou reino utópico d da consciência mais perfeita do espírito que somos e dos que nos rodeiam e que se manifesta harmoniosamente nos mundos, sob o Um Divino e a sua Graça branca e nos sete planos...

                                                                         Branca de Neve, por Leonor B

Quanto às festas, às comidas, às cabaças escavadas (ou cabeças sacrificadas e iluminadas), talvez possamos lembrar que muito provavelmente nestes dias, os sacrifícios primitivos passaram a ser também refeições ou banquetes nos quais algumas comidas eram oferecidas aos deuses, aos antepassados e protectores dos grupos e que chamas (ou velas..), perfumes de flores, odores de ervas ou incensos, poções e alimentos, preces, danças e cantos elevavam-se para o Sid, com amor e gratidão, e podiam assim fazer descer alguma presença, inspiração ou bênção, que enchia o silencioso círculo ou família, mesa ou cabeça, de que a cabaça aberta e luminosa é símbolo,algo que hoje se toma mais ou menos consciência por aqui e acolá...
Mas porque será que as pessoas hoje sentem tão pouco do Sid ou do além, à excepção de alguns grupos espíritas ou esotéricos ou certas pessoas mais sensitivas? 
Basicamente porque estão demasiado cheias do mundo e das suas futilidades, roubos e desgraças, sendo os meios de informação e a televisão os principais causadores de tal crescente insensibilidade e incapacidade de se sentir ou ver mais os mundos subtis e espirituais e os seus seres...
Morre tanta gente nossa amiga ou próxima, queixamo-nos da tragédia que foi e da sua falta, mas depois embebedamo-nos de informação televisiva ou revisteira e desenvolvemos pouco silêncio e escuta interior para os poder sentir e escutar ou orar e iluminar… 
Passe então a ver ou contemplar mais com o olho espiritual, e deixe de o encher de lixo televisivo, informativo ou de conversas.. 
Abra-se mais aos sonhos, visões, telepatias e oráculos, nestes dias de transparência e ligação maior entre as almas na terra e os espíritos e a Divindade... 
O Samain está de novo entre nós e, mesmo que sob a forma ruidosa e superficial do Hallowen, poderemos intuir os aspectos tradicionais e luminosos que estão por detrás dele e, se os aprofundarmos e aplicarmos amorosamente conseguiremos, despertar mais o espírito que está em cada um de nós e naqueles com quem nos relacionarmos, seja vivos ou já desencarnados, na Unidade Divina, ou sob a Sua Graça... 

segunda-feira, 28 de outubro de 2013

Erasmo, pedagogo do Renascimento e a actualidade das suas propostas. Homenagem no dia do seu aniversário de 2013 e de 2021

                                      

Erasmo de Roterdão (1466 ou 1467-1537), ainda hoje passados cerca de 500 anos da sua vida na Terra sobrevive no coração e alma de quem o lê, estuda e ama, numa aura de graça e de luz, de sabedoria e amor à verdade, fazendo juz ao que alguns, como ao nosso Antero Quental, ou a Sócrates, clamaram: Sancte Erasme, ora pro nobis...Ou seja, possamos comungar com a tua sabedoria e espírito libertador, ou o que da Sabedoria Divina conseguiu passar por ti...

No dia do seu aniversário destacaremos, entre os muitos aspectos da sua riquíssima personalidade e individualidade,  o pedagogo, o educador em latim e de latim, tarefa que iniciou  cedo por ter de pagar os seus estudos de grego em Paris, prosseguindo-a mais tarde pelo natural fluir da sua imensa erudição, ironia e amor.

Ora como pedagogo Erasmo inseriu-se na corrente humanista da península itálica, que vinha de Coluccio Salutati, Lorenzo Valla (a sua maior fonte e que editou e parafraseou), Angelo Poliziano, Pico della Mirandola, Marsilio Ficino, mvalorizadora da individualidade e dignidade Humana, da Tradição Perene universal, e da metodologia filológica crítica  dos textos de autores sagrados e profanos, nomeadamente os cristãos da patrística (deles dizendo "o melhor Orígenes, o mais agradável Crisóstomo, o mais santo Basílio", e dos latinos ("Ambrósio, extraordinário nas suas alegorias, e Jerónimo, tão prático nas Escrituras santas")  e não-cristãos (tal "Platão, Aristóteles e o seu discípulo Teofrasto e depois Plotino, que une as duas correntes"), e foi bastante pioneiro não só nos autores abordados como nos métodos, que partilhou com os seus alunos, e depois em livros, em especial no De Ratione Studi,  De Pueris instituendis, De duplici copia verborum, Como escrever cartasAdágios e Colóquios

A segunda edição dos Adágios, bem mais alargada, impressa em Veneza, com Aldo Manuzio, em 1508, como Graal da Sabedoria perene, e sobre a empresa aldina: Festina lenta. Apressa-te lentamente.

Poderemos realçar certos aspectos, tais como no seu plano de estudos, desvalorizar a memorização, preferindo a compreensão ("o essencial da memória, é ter-se compreendido algo a fundo"), pois fórmulas decoradas não são tão duradouras como as aprendidas pela descoberta sentida e livre do aluno.  Desenvolver o sentido crítico em vez da submissão, oferecendo uma variedade de autores e soluções, deixando aos alunos a escolha das suas vias e preferências e impulsionando também o estudo da retórica e da argumentação (sobre as quais escreveu bastante) para fortificarem a capacidade de discernimento e julgamento. 

Valorizava ainda o estudo da etimologia e da elegância das palavras e frases, bem como a escrita, mesmo que em pequenos ensaios e poemas, e o dialogar-se na língua que se estuda, considerando-as práticas fundamentais, pois depois viriam  as teorias abstractas e as regras. Propôs que o estudo “seja visto como lúdico e não labor», escrevendo por isso muito dos seus Colóquios, nos quais ensina pelos exemplos, diálogo,  paradoxo,  ironia, estética ou decoro, alguns sendo muito divertidos e ainda actuais, embora na época tivessem enfurecido muitos religiosos ou monges por troçar de aspectos comportamentais pouco coerentes.
Assim a auto-consciência crítica, e nomeadamente do que exteriormente condiciona e manipula, e logo esmaga e destrói as melhores potencialidades humanos, é muito valorizada e desenvolvida por Erasmo que, na linha de Luciano, de quem traduz as obras com Thomas More aquando da sua estadia em Londres, e publica em 1506 com o fim de exaltar a ironia e o sentimento crítico que desmascaram os vícios e hipocrisias, vai  imortalizá-la no Elogio da Loucura como a grande libertadora social e a geradora de uma mente ou alma mais sincera, desperta, criativa, irenaica (irene-paz, em grego), capaz de não se prender nas limitações e modas, superstições e dogmas reinantes.

Realçou Desidério Erasmo ainda muito a sacralidade e amor que estão na essência da Educação, apresentando a paternidade-maternidade como o meio mais natural e nobre dela e de tal modo que o ensino ou a transmissão de mestre a aluno, ou a discípulo, deve ser como a de um pai, e visar,  com o recurso a exemplos e modelos valiosos ou esforçados do passado,  ao desabrochamento do génio próprio, ou seja, da individualidade pelo seu livre arbítrio e aspiração sábia modelada e manifestada com decoro, ética, harmoniosamente. Pioneiro também ao afirmar o direito das mulheres a uma educação mais completa e que se emancipassem da tutela patriarcal asfixiadora.
                                                                      
Na formação da sensibilidade na Educação, Erasmo realçou muito o valor da poesia, do subjectivismo, da imaginação poética, da leitura e do culto dos grandes poetas e escritores clássicos greco-latinos (tendo sido por isso criticado, já que eram pagãos), da escolha e colheita das palavras e ditos mais valiosos, e se  compôs inicialmente uns poucos de poemas, ao longo da sua vida  desenvolveu bastante mais a prosa e a epistolografia, esta sendo vista como um diário afectivo e intelectual dialogante, e que teve um sucesso enorme (cerca de 3.200 cartas e publicadas em 1958 The Complete Letters of Erasmus, por Allen, em latim, em 12 volumes, hoje já com tradução francesa) e por onde perpassa muito da sua argúcia e amizade, liberdade e sabedoria, além de todas as perseguições que lhe fizeram ou polémicas em que se envolveu, sobretudo no começo da Reforma, sem dúvida afirmando-se como o pedagogo ou mestre principal da Cristandade não só pela qualidade das suas obras e intervenções como pela extensão dos seus dialogantes ou destinatários.
Na pedagogia erasmiana uma das ideias forças é a do irenismo, a não-violência, o pacifismo, a tolerância activa, a conciliação. Uma forte oposição e condenação da resolução dos conflitos pelo recurso às armas, considerando que mesmo os animais da mesma espécie raramente lutam entre si, pelo que o ser humano deve procurar pelo diálogo chegar à concórdia. Por conhecimentos transmitidos a ele pelo seu amigo, confabulador e discípulo Damião de Goes, Erasmo criticou a cristianização forçada dos Lapões pagões, tal como, e já não por Goes (algo envolvido ou comprometido nos Descobrimentos dos portugueses e suas lutas), se opôs a mais guerras com os Islâmicos e Turcos, pois os cristãos  é que eram frequentemente os infiéis e violentos, entre si e contra os não-cristãos. Anote-se a publicação entre nós em 1990 da valiosa tradução do adágio  Dulce Bellum e da Querela da Paz, por A. Guimarães Pinto, sob o títulos A Guerra e  Queixa da Paz, no qual está condensada muito da sua imensa sabedoria justificadora da não-violência.

São os pedagogos, os professores, os cultores das belas letras, os humanistas (por vezes unidos em círculos, as sodalidades, na grande república literária), hoje diríamos os intelectuais, os professores, os cientistas, artistas, psicoterapeutas e os espirituais, quem deve exercer o papel de mediador ou de esclarecedor nos grandes conflitos de opiniões, interesses, partidos, povos, estados, religiões. E se no Renascimento durante alguns anos algo disso se passara no aconselhamento dos reis e governantes, com a Reforma e a Contra-Reforma muito se impossibilitou e extremizou, desvanecendo-se essa concórdia ou unidade entre sábios e governantes da Europa.

Erasmo, num altar lisboeta. Que nos inspire. Aum, Amen..

Nestes últimos sentidos considerará, por exemplo, que na frase de Jesus ”Ninguém vai ao Pai senão através de mim”, o mim, é o Logos, ou  Jesus, o Cristo, e que tal corresponde à Ratio,  a Razão, e Sermo (que sempre preferiu a Verbo), a Palavra, a Língua, ou ainda que é pelo diálogo verdadeiro, amoroso, unificador que nos podemos religar à Divindade. Neste sentido corre também a expressão paradigmática do mestre:”Onde dois ou três se reunirem em meu nome eu estarei no meio deles”. Reunirem, ou seja, em diálogo, em colóquio, silencioso ou na palavra luminosa audível, e com a presença da Razão e Inteligência Divina que nos torna verdadeiramente seres humanos e nos unifica. 

A pedagogia irenaica ou educação pela não-violência, contra as guerras, os fanatismos e autoritarismos, desagua numa ideia de religião interior, pura, simples, que Jesus transmitiu e cuja base de simplicidade, amor, douta piedade e verdade é universal e subjaz a todas as outras religiões. Assim diremos que é fundamental que desde cedo isso seja ensinado, e idealmente poderemos pensar até com o apoio da Unesco, embora esta esteja ainda muito atada por pressões e interesses negativos, e pelo laicismo neutro das modernas democracias. Isto dá azo a que a ignorância, o fundamentalismo e o fanatismo grassem de Oriente a Ocidente, ainda que o ecumenismo e o diálogo inter-religioso floresçam em alguns pontos, e cada vez mais tudo esteja em rede reveladora ou denunciadora instantânea, para a verdade ou para a desinformação, pesem as censuras, frequentemente vendidas e opressivas exercidos pelos meios e redes de comunicação digitais.

Para Erasmo, muito mais do que organização, dogmas e sacramentos, a religião ou a Igreja é a prática do amor ao próximo e a Deus, e é a assembleia ou congregação da fé e vontade de ligação amorosa à Divindade e à Humanidade, sendo por isso universal e apoia-se no estudo profundo e sentido dos textos sagrados, na oração (incessante, explicará mesmo enquanto modo de vida e aspiração ao Amor divino, como publiquei em 2008 no seu Modo de Orar a Deus) e  na comunhão com o corpo místico em que todos fazemos ou podemos fazer parte. 

Tal constante abertura e manifestação do bem desagua na metanóia, ou transformação interior, na reforma das mentalidades e costumes, na defesa dos oprimidos e perseguidos, na distribuição mais justa dos bens, e na menor valorização das hierarquias e autoridades exteriores, e nesse desprendimento consegue-se o recolhimento e uma maior capacidade de sentir o espírito, o amor ou  mesmo a Divindade no centro da alma e coração e sermos portanto melhores nas relações com os outros e a Natureza,
As suas propostas de Educação são vastíssimas e apenas partilhamos uma pequena amostra ou introdução à leitura das suas imensas e riquíssimas obras…
Concluamos com algumas das frases que são testamentos deste humanista, de quem o notável sábio francês Lefévre d'Étaples escreveu em 1514, "Quem é que não admira, ama, honra Erasmo?", ou de quem Rabelais disse ser "campeão invencível da liberdade" (e lembremo-nos da sua intervenção, a pedido do Papa,  de polémica com Lutero, na qual defendeu convincentemente o Livre-arbítrio ou liberdade), ou de quem o nosso Damião de Goes, seu grande amigo, afirmou em 1538, pouco após a sua morte (11 Julho de 1535):”aquele prudentíssimo e gravíssimo Erasmo de Roterdão, neste nosso áureo e doutíssimo século, príncipe de toda a doutrina e eloquência”.

    Eis então alguns dos seus ditos, à altura das centenas de adágios da antiguidade que ele coligiu e comentou e que considerava o “arsenal de Minerva”:

Um homem não nasce homem, torna-se”, dito este extraído do seu tratado Da Educação das Crianças, o De Pueris.

E os que epigrafei nas páginas ante-prefaciais do livro dele que publiquei em 2008, Modo de Orar a Deus

"As pessoas de engenho generoso e livre gostam de ser guiadas, não de ser coagidas”

Ego mundi civis esse cupio, communis omnium vel peregrinus magis”, “Eu desejo ser cidadão do mundo, em comunhão com tudo ou mesmo mais peregrino”

E finalmente, de grande pedagogia e actualidade: “Não nego que procuro a paz sempre que possível. Sou a favor de ouvir ambos os lados com ouvidos bem abertos. Amo a liberdade. Não servirei, nem posso servir, nenhum partido”

Assinatura de Damião de Goes num exemplar da sua Crónica do rei D. Manuel.

Dedicado a Erasmo e aos seus discípulos Damião de Goes e José Vitorino de Pina Martins, neste dia 28 de Outubro de 2013 e bem ampliado no de 2021, no qual Erasmo faria  555 anos, a ter nascido em 1466, já que não é certo. E como disse o deão da igreja de S. Paulo em Londres, seu amigo e sábio John Colet: Nomen Erasmi nunquam peribit, "O nome [e espírito] de Erasmo nunca perecerá…"  Saibamos sintonizá-lo, acolhê-lo e frutificá-lo…

                                                   

Erasmo e o orar sem cessar. Escrito em 2013 e melhorado, por oito anos de vivências, em 2021. Sancte Erasme, ora cum nobis!


            Dos ensinamentos perenes de Erasmo: Orar sem cessar…

São tantos os ensinamentos espirituais valiosos de Erasmo, para aqueles que procuram aprofundar o caminho do conhecimento, da sabedoria, da verdade, da espiritualidade e da religação divina, que neste dia (28 de Outubro) em que se festeja o seu aniversário escreverei  sobre a Oração (e em 2021 melhorarei e ampliarei bastante), acerca dos sentidos do orar ininterruptamente,  tanto mais que traduzi, com Álvaro Mendes e depois comentei e prefaciei, o seu Modo de Orar a Deus, impresso em 2008 nas Publicações Maitreya, do Porto, e que recomendo.

A oração sem cessar ou oração ininterrupta,  a oração veemente ou intensa,  as orações ao levantar, ao deitar e ao comer, e a oração pelo outro e a recíproca (muito fáceis para quem mais amamos), em cerimónias religiosas, nas aflições, pelos mortos e  em grupo, são algumas das formas de orações trabalhadas e recomendadas por
Erasmo.
Mas como conseguir a equanimidade, intensidade e capacidade de estarmos sempre a orar, quando em tantos momentos estaremos obrigados a prestar atenção a isto ou aquilo?
Podemos obter tal com uma vida justa, sábia e esforçadamente amorosa e beneficamente activa, que será a nossa forma de oração de base, à qual acrescentamos preces ou mantras de quando em quando e o desenvolvimento de uma mais plena consciência,  tentando estarmos mais auto-conscientes, o mais lúcidos possíveis. E assim consciencializar-nos com regularidade dos fios ou canais de ligação ao cosmos (tal no nascer e pôr do sol, etc), ao espírito, aos mestres, anjos e à Divindade, e fazermos circular por eles energias nossas subtis de aspiração e de irradiação e simultaneamente estarmos atentos aos sinais que deles podem descer para nos orientarem...

Destes modos conseguimos afastar da nossa mente,  ego e  corpo os factores de aceleração, perturbação, dispersão e enfraquecimento que constantemente surgem, derivados das reacções e envolvimentos múltiplos com o mundo ou até em especial com os meios de informação, nomeadamente os que não são harmoniosos, que atemorizam ou em que perdemos essa ligação interna e pura com a natureza, o espiritual e o Divino...

Um certo desprendimento é então necessário e um constante reposicionamento supra-mental e supra-envolvência material da nossa consciência. Isto implica praticarmos o acolhimento da intencionalidade elevada do nosso ser espiritual ou essencial, que está acima da personalidade e da constante competição, comparação e conflitualização, ou então das dependência e envolvimentos com os outros, ou com os hábitos, vícios, preguiças, ser espiritual em nós que nos impulsiona a aspirar à mais alta evolução espiritual possível  e à comunhão com ele.

É assim  que a nossa personalidade e alma conseguirão estar mais em oração permanente, ou seja, com o coração e a  mente mais abertos e para os níveis superiores nossos, do cosmos e Divindade, em gratidão, sentindo e irradiando o amor e  a presença do espírito, ou mesmo a comunhão do corpo místico. Deste modo podemos receber as inspirações do acesso ao intelecto único de Deus, que pode ser visto como o Espírito Santo, ou seja,  o vastíssimo e ainda misterioso campo unificado de consciência e informação da humanidade e do Cosmos em que os espíritos encarnados e celestiais apenas, circulam, fluem e por vezes inspiram, soam...

Esta oração sem cessar pode ainda basear-se ou apoiar-se numa consciência mais plena da nossa verticalidade tanto postural como respiratória, e de aspiração e sintonização com a Unidade ou Unicidade Divina, o Tawhid i-ilahi, proclamado pelo imperador mogol Akbar, e daí terem nascido tantas práticas psico-energéticas ligadas à respiração e à concentração em todos os povos, algo que Akbar, um místico ecuménico clamava: «A Divindade deve ser cultuada com todo o tipo de adoração», ou o que o seu bisneto Dara Shikoh propunha ao praticarmos a escuta da música interior ou das esferas e partículas, para abstrairmos do excesso de ruído horizontal mental e sermos mais atraídos para os planos espirituais, al-malakut, al-jabarut, donde nos podem vir os sinais necessários para a alma peregrina...

Estamos a orar sem cessar quando a intencionalidade da nossa vida é luminosa, é e destina-se ao bem, ao amor, à compaixão, à ética, à sustentabilidade planetária, à justiça, à partilha com os seres tudo isto sendo ainda apurado quando oramos e meditamos mais concentradamente, e assim exercemos a arte de Orar, tanto pela capacidade de pedirmos, vermos e esforçar-nos pelo que pensamos ser bom para todos ou para alguém mais necessitado, como pela capacidade de abrir-nos às correntes divinas, de caminharmos constantemente  na sua Luz, algo que é apoiado ou intensificado pelas tais orações mais ardentes e veementes, as jaculatórias, mantras, palavras de poder que encontramos também em todas as tradições espirituais da Terra…
Saibamos pois escolher bem os modos de viabilizarmos melhor a oração sem cessar em nós, ou ainda a consciência da Unidade divina, também chamada por Erasmo de simplicíssima, já que assenta no coração mantido simples e confiante e por aí comungando com o ser divino, qualquer que seja a forma ou modo como ele se desvende ou manifeste... 

                                        

          Concluamos com excertos do seu Modo de Orar a Deus:  

«Também Tiago recomenda, a quem necessita de sabedoria (sapientia), pedir (postulare) a Deus. Se alguém está aflito e triste, recomenda orar-lhe. Atribui, com efeito, à oração uma importância tal que o que ora pede para si mas também para os outros, por quem Deus é rogado. Se alguma pessoa está doente, ordena que os presbíteros sejam chamados para ela ficar livre da doença do corpo e da alma, através das suas preces. Deseja, finalmente, que todos os cristãos se socorram mutuamente com preces recíprocas a Deus: «orai, diz, mutuamente por vós, para que nos salvemos. A oração assídua do justo tem muito poder em verdade». 
Deve-se agora considerar como o Senhor Jesus, que se entregou com tanta diligência, que se esforçou (conatus) com tanto entusiasmo (studio) por transformar (infigere) as almas dos seus, provocava frequentemente com o seu exemplo os seus discípulos a orarem, tal como a ave que incita as suas crias a voarem. Muitas vezes, nas letras evangélicas, repete-se que o Senhor se recolheu para um lugar deserto ou ascendeu a um monte para orar e, algumas vezes (interdum) mesmo, sozinho. E não se deve ignorar que orou quotidianamente com os seus discípulos, tal quando se lê como, antes da comida, abençoou e deu graças e, depois do alimento, entoou hinos em louvor de Deus.
Sempre que, porém, tendo abandonado a multidão, se recolheu para orar, ensinou-os a orarem frequentemente ao Senhor em favor daqueles que foram encarregados de guiarem, sabendo que é infrutífera a obra do doutor ou do preceptor (monitoris) se nele não é infundido (adspiraverit) o favor celestial. 
E, de facto, não há prejuízo para uma boa obra, se, por vezes, ela é interrompida para se realizarem preces secretas, pois o que assim se isolou volta ao seu serviço mais pronto...»
 «Algumas vezes é a própria situação que prescreve o momento de orar: sempre que a aflição nos atormenta, sempre que a tentação cai sobre nós, devemos refugiar-nos na guarda (praesidium) da oração. Não há um perigo, por mais grave que seja, que não evites ou não venças se recorreres à oração fervorosa, instante e contínua.»

«Não se deve menosprezar o lugar dedicado (dicatus) à oração, nem a quantidade de pessoas que se juntam a fim de orar (multitudo conveniens gratia orandi)
Deus ouve de muito melhor grado, de facto, as preces harmoniosamente (unanimiter) irradiadas (fusas) por muitos, sobretudo se o sacerdote as oferece como um vizinho (vicinior) de Deus; todavia, qualquer local é um templo para um cristão: o quarto, a cozinha, a oficina, o navio, o veículo, o cavalo, a casa de banho e mesmo a latrina.
O próprio peito do cristão é templo de Deus, contém o seu próprio altar (circumfert suum propiciatorium), contém Deus em pessoa (circumfert Deum praesentem).
Quanto mais te recolheres (recesseris) em ti próprio, tanto mais ingressarás no mais sagrado do santuário (sacratius adytum), tanto mais te tornarás mais próximo de Deus.»

Este último parágrafo de Erasmo foi assim comentado por mim nas profusas notas do Modo de Orar a Deus e agora ampliada: « Bela e valiosa e sagrada frase, bem capaz de ser utilizada como “abre-te sésamo”, na nossa alma, se for mesmo meditada, assimilada, realizada, encarnada, vivida, abrindo-nos as portas do reino de Deus, ou seja, do mundo espiritual interior. Nesta frase «o próprio peito do cristão é templo de Deus, contém o seu próprio altar (circumfert suum propiciatorium), contém (ou leva consigo) Deus em pessoa (ou a presença de Deus) (circumfert Deum praesentem)», temos uma estrutura de correspondências muito vizinhas ou interconectadas de peito, templo, altar e Deus. 
Ou seja, no peito, no coração, e aspirando ao espírito, aí se pode fazer a adoração e invocação divina, o que torna tal local ou coração um templo que pode acolher as correntes divinas de Amor, Luz, Poder,  propiciar  algum influxo da sua graça, capaz de aumentar o nosso amor para com Deus, a Vida e  os seres humanos. É sem dúvida uma belas frase e ideia da religião interior, da filosofia de Cristo, transmitida por Erasmo e que nos fica: o peito de qualquer pessoa é potencialmente um templo ou santuário e aí, no altar da nossa aspiração e silêncio, oração e contemplação, o Espírito ou a Divindade podem-se fazer sentir ou no olho espiritual se manifestar... 
                               Sancte Erasme, ora cum nobis!

domingo, 27 de outubro de 2013

Da Tradição Espiritual de Portugal e da missão de cada um. Do Arcanjo de Portugal.

Cada pessoa representa ou culmina uma série infinita de seres, experiências e informações, comuns a muitos outros, mas numa singularidade e axialidade (eixo entre o céu e a terra e entre a ignorância e o conhecimento) única... A impressão digital assinala no dedo essa unicidade, mas também na voz, na personalidade, na essencialiadade o único surge... A comunicação digital e internética é a explosão total de uma infinidade de unidades multiplicando-se associativamente em movimentos mais ou menos luminosos e harmoniosos...
Fazer convergir várias pessoas ou unidades nalgumas das afinidades não é tão difícil, tal como as famílias, os grupos, os clubes, os partidos, as nações manifestam com tanta profusão...
Mais difícil é fazer surgir delas as singularidades que um determinado meio ou época precisa, permite ou exigiria como culminância...
E este é o grande apelo, constante nas noites mais longas e subtis...
Estamos numa época de marés cheias e de marés vivas e cavalgar ou surfar na crista das ondas é provavelmente melhor alternativa de que as termos a rebentarem em cima de nós...
Mil olhos, mil braços mostram-nos as deidades orientais...
Que rajadas de vento nos impelem mais, em que direcções devemos singrar, que contenções ou expansões devemos iniciar, com quem devemos dialogar e estabelecer os planos das caminhadas?
Em Portugal há um ser subtil e elevado que nos une: o Ser espiritual ou Arcanjo de Portugal, a face séria, amorosa e grave do nosso país. Tentemos sintonizar mais com ele. Pelo coração, de quando em quando...
Depois, há a comunidade dos que aqui aportaram por nascimento ou por segundo nascimento e que nos rodeiam vivos ou mortos, ainda activos ou apenas nos testamentos anímicos e obras que nos deixaram...
Saber cultivar este fogo do lar e da nação é fundamental...
E um seus dos aspectos primaciais é o aprofundamento do tesouro dos valores, das ideias e ideais que ainda conseguem estimular, juntar, unir e impulsionar as pessoas...
Assim, sair da ignorância e do sofrimento, do egoísmo e da miséria, da violência e da superficialidade são fundamentais e urgentes, e apelam ao melhor de nós...
Assim chego até ti, na noite do tempos, e desafio-te a meditares uns minutos agora sobre estas duas questões candentes e que só tu podes responder:
- O que é mais urgente e importante que eu desenvolva para o bem de mim próprio, e para o bem de Portugal?
Se uma das respostas é sermos cada vez mais a nossa singularidade e ser própria, a Seidade, o Espírito, sem dúvida que a nossa acção, solitária ou em grupos mais fortes na compreensão e na acção justa e verdadeira é bem importante...
Desenvolver a compreensão de quem somos e do que viemos fazer à terra, quais as prioridades e opções, é fundamental ser meditado e trabalhado com regularidade...
E ao nascermos em Portugal, apercebemo-nos melhor da riqueza cultural que nos envolve, ou seja, de que há uma Tradição Cultural e Espiritual Portuguesa, que nos forma ou informa mas cujos melhores níveis estão em geral esquecidos ou menosprezados...
Saber escolher bem os veios que vamos trabalhar, os arroios que vamos utilizar e os mestres que nos irão inspirar, é então fundamental...
Se admitirmos, o que não é assim tão certo e evidente, diga-se já, que todo o bom escritor adquire no além um papel de guia para as gerações vindouras que o lerão ou reflectirão, perguntaria:
Que escritores ou pensadores mais gostas e com quem sentes mais afinidades?
Escolhe então alguma das linhas de desenvolvimento deles, ou algumas frases que te dizem mais e trabalha-as, medita-as, reescreve-as, aprofunda-as, e assim estarás a inserir-te na Tradição Espiritual Portuguesa e a continuá-la.
Estarás a reactivar a ligação psíquica ou espiritual com esses seres que já da lei da espada da morte terrena se libertaram e que te podem visitar ou mesmo passar a inspirar-te mais...
Discerne no património da riqueza cultural do país o que te diz mais, o que gostas mais, e tenta trabalhar, aprofundar alguma pedra ou canto rítmico  para a construção incessante  do Templo da Verdade ou do Divino em Portugal...
Tantos campos da criatividade humana já trabalhados entre nós onde podes tu cooperar, contribuir...
Tenta assim diaria ou gradualmente aprofundar ou enriquecer alguma faceta do multifacetado cristal do trabalho, da sabedoria ou da arte,  da Tradição Espiritual de Portugal e Universal.
Avancemos então e juntemos engenhos e esforços em prol da Tradição Perene em Portugal...
Façamos reverdecer a árvore quase seca, intensifiquemos a comunhão ardente e clarificante. 
Sejamos mais o Espírito...

sexta-feira, 25 de outubro de 2013

O que é a meditação? Contributos...

Meditar é um acto sagrado e íntimo, por vezes mais difícil de se conseguir, outras vezes surgindo fácil e rapidamente, como um estado de graça, ou uma inspiração, mas que para ser aprofundada apela a uma certa perseverança, amor e fidelidade...
Vejamos uma das muitas metodologias de aproximação:
Após um certo alinhamento e desbloqueamento, para o que podemos fazer alguns exercícios de movimentação, já sentados, podem ainda brotar alguns gestos e sons com os dedos ou mãos, tal como várias tradições desenvolveram, estimuladores da energia nos meridianos que começam ou terminam nas mãos, gestos para limpar, harmonizar e elevar os fluxos energéticos e psíquícos, e eis-nos então prontos a embarcar na viagem auto-consciencial e meditativa.
No início, depois de uma invocação do Ser e seres divinos, mestres, santos ou anjos, conforme as nossas afinidades, começaremos a observar o ritmo da respiração, descontraidamente, e até procurando sentir energias luminosas a entrarem, sendo retidas para nos fortificarem e na expiração saindo e deixando-nos mais harmonizados. Aos poucos, os pensamentos que nos preocupam vão-se também acalmando e, sendo vistos com mais interioridade e calma, vão perdendo as suas energias emotivas ou conflituosas que os tornam repetitivos ou que nos afectam mais...
Depois, deveríamos começar a sentir a Presença interna do Espírito e a sua ligação com o Infinito ou o Ser Divino...
Mas como é difícil chegar a um estado imediato de poucos pensamentos, deveremos de quando quando invocar e adorar com mais aspiração a forma ou nome do Absoluto ou do Divino que mais nos toca, para isso também contribuindo, por exemplo, o inclinar-nos sobre o peito e aí juntar as mãos, sentindo bem nessa postura a receptividade invocativa grata e humilde...
Entre nós e o Espírito ou a Divindade não deveria haver tantas barreiras, tantos véus, tantos canais desviando-nos para outros direcções e seres, pensamentos e imagens. E por isso esses momentos de tentativa de união maior das meditações são muito valiosos, podendo ainda ser acentuados pelos cantos e preces, ou mesmo pelas mãos juntas. Mãos, que podem depois elevar-se ao céu em forma de Graal, taça ou cálice, e acolher melhor as bênçãos luminosas ou ainda, mais tarde, derramá-las para pessoas já falecidas, ou para as que, vivas, mais precisam.
A destilação maior do elixir da imortalidade acontece então pela auto-consciencialização do Ser profundo que está em nós, e pela captação e circulação da luz divina que permeia o universo, que começa então a ser mais vista no olho espiritual, sensível no nosso corpo interior energético espiritual, e pelas bênçãos e expansões de consciência que possamos sentir.
 E meditamos não só para nós e o ambiente, mas também pelos mortos, terrenamente ou já no além, sobretudo quando a luz circula e emana visivelmente do coração ou do olho espiritual e que, pelo nosso amor, chega até eles...
Então, quando meditamos, ou apenas perseveramos no respirar consciente e no orientar das ondas do pensamento mais concentradas, já não estamos apenas a acalmar as ondulações psíquicas, a harmonizar os dois hemisférios, a clarificar a nossa mente e alma mas estamos também a unir mundos e seres, personalidade e o Espírito divino, talhando o corpo espiritual, recuperando a nossa dimensão mais profunda e extensa, cooperando na clarificação e iluminação planetária, religando-nos à Divindade...
Boas meditações...

Fernando Pessoa, conde Hermann von Keyserling, e a defesa da "Grande Alma Portuguesa"...

Em 15 de Abril de 1930, o conde Hermann von Keyserling, convidado pela Junta de Educação Nacional, depois de ter exprimido a Alberto de Oliveira, escritor e ministro (ou embaixador português) em Roma, a vontade de visitar Portugal, chega a Lisboa, para pronunciar três conferências, animadoras de ideias como ele pretendia, às quais assistirão grande parte da intelectualidade portuguesa, ecoando-as os jornais em artigos assinados por Simões Dias, Vitorino Nemésio e outros, entre os quais, cremos (assim o descobrimos já no Outono de 2022), Brito Camacho, pois numa das suas obras, Do Bom Humor,  dedica um capítulo às suas ideias, onde a dado passo escreve:«Ao ouvir o sr. conde, na sua primeira conferência,» enumerando em seguida as suas caraterísticas ("mais caricaturista que pintor", "gosto da originalidade") e várias limitações ("ilustração mais extensa do que profunda"), concluindo, o que cremos ter sido originalmente um artigo num jornal, assim:«As conferências do sr. conde Keyserling tiveram esta real vantagem- mostraram  que em Lisboa, e em todas as camadas sociais, há um número espantoso de pessoas de ambos os sexos e de todas as idades, que se interessam pelos magnos problemas da filosofia. Ora toma. Quem tal havia dizer!»
A primeira conferência foi pronunciada na Sociedade de Geografia, a 16, sob o título A Alma de uma Nação, seguindo-se mais duas, a 21 e 22, tendo depois partido para o Porto, onde o escutariam pensadores da Renascença Portuguesa, tal como Leonardo Coimbra e Sant’Anna Dionísio, como este último me confirmou. Ora também Fernando Pessoa assistiu certamente, pelo menos à primeira das conferências, pois escreveu uma carta dactilografada a Keyserling, com a data de 20 de Abril 1930 (e que esteve longo tempo perdida ou inédita antes de eu a publicar), para além de provavelmente ter lido relatos jornalísticos, alguns bem desenvolvidos.
Na impressiva recepção que lhe foi oferecida na Academia das Ciências de Lisboa, a 15 de Abril, o insigne professor da Universidade de Coimbra Joaquim de Carvalho proferiu uma notável conferência, na qual realçou a importância da sabedoria, «tensão infatigável, sinónimo de uma qualidade espiritual, onde a inteligência e a vida se fundem, num centro irredutível a todo o exclusivismo, sempre sinónimo de limitação», concordando com Keyserling que «é de uma educação espiritual que o homem do nosso século carece», elogiando a Escola da Sabedoria, que aquele fundara na Alemanha: «nos já vastos tipos de instituições escolares que a cultura europeia tem conhecido, a Escola de Sabedoria é a primeira escola onde se ministra um ensino sem conteúdo. Ninguém a demanda para aprender: sob a influência da personalidade desperta-se e intensifica-se o pensamento, e, acima de tudo, se forma uma orientação espiritual, sem cânones». 
Elogiará ainda tanto as palavras de Keyserling, vindas de «quem compreende a sua vida como uma missão», inserindo-as nas vozes que se elevam contra «as pretensões do pensamento racional, crítico e analítico, como também a sua visão «do primado da vida, libertada pela compreensão e espiritualizada pelo sentido», lembrando por fim o sentido universal de Portugal e «que se fomos os primeiros a ocidentalizar o Oriente, fomos também os primeiros a compreende-lo sem perder a nossa essência», dando mesmo o exemplo de Wenceslau de Morais, o nosso grande amante do Japão.
Keyserling, ao agradecer as palavras, aceita este enunciado final de Joaquim de Carvalho e afirma, provavelmente pelas suas capacidades psíquicas intuitivas ou de imediata absorção, segundo o relato do Diário de Notícias do dia 16, que «nas poucas horas da sua presença em Portugal sentia-se já mais português do que suponha. Referindo-se ao pensamento português, afirmou que ele era, sobretudo, realista, apesar do seu romantismo. Assim como ele, orador, viajava, para se ampliar em matéria de conhecimentos, assim os portugueses foram para as descobertas, não por motivos de ordem material, mas sim para dilatarem a sua espiritualidade. E, assim, o português é um verdadeiro criador de almas». 
Filósofo alemão, reformador prático do espírito, como se intitulava, fundador em 1919 da Escola de Sabedoria, ou Sociedade de Filosofia Livre, em Darmstaad, figura mundial graças ao sucesso dos seus vários livros de viagens e análises do que observava e compreendia, então com 46 anos, de envergadura avantajada, foi bem recebido em Portugal, encontrando-se com Joaquim de Carvalho, Afonso Lopes Vieira, Agostinho de Campos e outros pensadores. Os seus discursos acentuaram a sua visão, intuição ou imaginação profética da passagem da Humanidade das épocas da crença e da ciência, ambas cegas, para a da compreensão, na qual o homem, conhecendo-se a si próprio, acabará por dar a plenitude espiritual ao desenvolvimento material, «realizando na Terra a nossa missão – essencialmente, fundamentalmente espiritual». O Espírito de um povo é apresentado como tensão, como «associação profunda do sentir, pensar e querer dos homens», que serve o sentido de vida nacional.
Considerado um ecuménico, conhecendo o Oriente e as suas visões e perspectivas, ainda que com as suas limitações bem patentes em algumas apreciações do seu valioso e original Diário de viagem de um Filósofo, Keyserling, contudo, não aceita que a Humanidade esteja já num estado de decadência contrapondo antes o de juventude e portanto, de renovação, de criatividade, de novos sentidos. Considerando-se um chefe de orquestra do espírito, queria que os seres humanos «se tornassem «conscientes da sua missão no mundo, capazes de exprimirem pelos seus actos o sentido cósmico que as suas vidas comportam», pois assim «mais ricas serão as culturas que tais homens ajudem a constituir».
Ora da reacção de Fernando Pessoa ao conde Hermann von Keyserling e à sua pretensa compreensão de Portugal encontramos no seu espólio uma carta escrita em francês, dactilografada, mas assinada enigmaticamente por um O. S., que tanto poderia ser Ordo Solis ou Ordo Serpentis ou Ordo Sanctissimorum, tal como surge desdobrada em alguns outros fragmentos do seu espólio, mas que mais acertadamente será a Ordem Sebastianista, tanto mais que na mesma altura, a propósito da homenagem em Silves a Al-Motamide, Fernando Pessoa assinava uma nota com O. S., surgindo dentro do texto a referência à Ordem Sebastianista.
Esta carta acabou por ser apenas publicada pela primeira vez em 1988, no livro que então escrevi e intitulei A Grande Alma Portuguesa. Nela, Fernando Pessoa não questiona tanto o que o conde de Keyserling disse como antes os seus pressupostos e bases: «Viestes a Portugal para compreender - nós teríamos preferido que fosse para conceber – a alma portuguesa. Muniste-vos da preparação ilógica para o fazer? Seria suficiente que estivesse munido do conceito da alma como tripla – comum aos platonizantes e aos cabalistas, como a outros (...) Que Portugal pensa ter podido ver? Há três e tudo está lá (...) Da terceira alma portuguesa feita de inteligentes e de entendedores, nada há a compreender. Quanto à primeira alma portuguesa, se a vossa intuição é subtil, tê-la-eis adivinhado. Talvez a tenhais mesmo deduzido da paisagem e da luz, mais até do que a aprendido nas próprias almas. Nisto tudo, viu bem, mas não tereis visto que o visível. O Portugal essencial – a Grande Alma portuguesa, em toda a sua profundidade aventurosa e trágica – foi-vos velada...». Anote-se que esta tríade anímica surge de modo semelhante em outros textos de Pessoa, tal como os dos três tipos de portugueses, apontando a génese do português essencial, ou «imperial», ao tempo de D. Dinis.
Fernando Pessoa explica, em seguida na carta, quem é, como nasceu, quais as transformações e o futuro da segunda alma, que é a Grande Alma portuguesa, e que de aventura material e conquista de costas passará a uma aventura supra-religiosa que culminará de então a 200 anos. E termina a missiva (que não sabemos ainda se terá sido enviada ou não..), exprimindo a «nossa simpatia intelectual. O. S.»
Anote-se que, num texto anterior, Fernando Pessoa aventava mesmo a data de 1924, segundo certas profecias (um dos seus erros foi acreditar nelas e perder demasiado tempo com elas), «para o Grande Regresso, em que a Alma da Pátria se reanimará (...) e se começará a realizar aquela antemanhã ao Quinto Império, justificando-o pelo «sebastianismo, hoje mais vigoroso que nunca, na assombrosa sociedade secreta que o transmite, cada vez mais ocultamente, de geração em geração». Quanto à grande Alma Portuguesa, que «nos vinha de mistérios antigos e de sonhos antigos (...) herdeira da divindade da alma helénica» e que urge reavivar ou reassumir é noutros textos significativos invocada, com outras raízes, tal a árabe, «a alma árabe é o fundo da alma portuguesa», ou a cristã: «Que Portugal tome consciência de si mesmo (...) Entregue-se à sua própria alma. Nela encontrará a tradição dos romances de cavalaria, onde passa próxima ou remota, a Tradição Secreta do Cristianismo, a Sucessão Super-Apostólica, a Demanda do Santo Graal (...) Deixemo-nos de importar Deus, porque Deus está em toda a parte», esta última frase surgindo a lápis e não tendo sido publicada por Joel Serrão, no sua antologia de textos de Fernando Pessoa intitulada Sobre Portugal.
Fernando Pessoa, tão sensível à Anima Mater, à Pátria (e vejam-se as obras de Dalila Pereira da Costa, ou o ensaio de Eduardo Frias, O Nacionalismo Místico de Fernando Pessoa, Braga, 1971, no qual já compara Keyserling e Fernando Pessoa), tentando-a revificar pelo Sebastianismo, pelo Quinto Império, pela Rosea Cruz, pela Ordem Templária de Portugal, pela Gnose e pela Mensagem, não poderia deixar passar a ignorância de tal veio nacional, tal como em 1935 o faria em relação ao projecto-lei de proibição das Associações Secretas, debatido e promulgado pela Assembleia Nacional, e que ele rebateu em artigo de jornal e em várias cartas e textos inéditos na época e que têm vindo a ser publicados.
De realçar que, em 1932, na revista Descobrimento, dirigida por José de Castro Osório e na qual Fernando Pessoa colaborava, saía a tradução portuguesa das impressões psicológicas recolhidas por Keyserling e que estariam para constituir a parte consagrada a Portugal, da 2ª edição do seu livro Analyse Spectrale de l’Europe. As reacções não se fizeram esperar (às quais Fernando Pessoa, como vemos, se tinha antecipado...), o que levou a direcção da revista a publicar uma nota explicativa e uma resposta de Keyserling às críticas ou mesmo insultos recebidos (sobretudo de Agostinho de Campos, autor de um sugestivo livro Jardim da Europa, que o acusava de se prostituir a quem lhe pagava mais, algo então raro), explicando que o espelho pouco lisonjeiro apresentado de cada país era para os obrigar a reagir, saindo finalmente, num número posterior, um ensaio do director da revista intitulado Portugal visto da Europa
O que é um facto, resultante certamente desta oposição lusitana (embora fosse interessante descobrir-se a movimentação psíquica de Keyserling, talvez através de uma investigação nos arquivos de Darmstaad, é que na 2ª edição dessa obra de Keyserling, as últimas vinte linhas do ensaio desapareciam, as mais críticas e que referiam, por exemplo, que os portugueses «viviam de ilusões e de imagens do desejo. Identificam-se como povo, com as grandes individualidades da sua história, que, naturalmente já em vida eram excepções, não tendo nenhum Português de hoje o direito de se comparar com eles. Não querem convencer-se de que o facto de terem grandes possessões coloniais é um simples acaso: se a Inglaterra não tivesse interesse na sua conservação, elas já não existiriam e nenhum português moderno poderia criar um império colonial», afirmações estas que quer para um Portugal tradicional quer para um Estado Novo em formação talvez tivessem impulsionado algumas das reacções mais insultuosas ou as pressões para não ser publicado...
Rabindranath Tagore e o conde Keyserling em Darmstaad
Anote-se por fim que, embora não haja qualquer livro de Keyserling no que restou da biblioteca pessoana, a sua vasta obra ensaística, ainda que com certas limitações, merecia bem a simpatia intelectual expressa por Fernando Pessoa no final da sua carta, tal como aliás sucedera com mestres como Rabindranath Tagore ou Nicolas Berdiaef que elogiaram as capacidades e realizações do fundador da Escola de Sabedoria, de Darmstaad, ainda hoje viva e orientada certamente com  fidelidade e verdade pelos seus descendentes...

Das Noites Claras. Meditações e Reflexões....

Da Noite. Meditações e reflexões, Feelings and Thoughts...
I - Um dia bem trabalhado não quer parar mesmo de noite e então ardem as barreiras mas por fim temos que ceder ou porque os olhos ou porque o cérebro pedem algumas trevas de descanso e fluímos então através dos sonhos em interelações sempre novas e desafiantes e quem sabe rumo à Unidade, que se idealiza tão silenciosa quão profunda e cósmica...
Ah, e é importante antes de adormecermos revermos um pouco o dia e deixarmos evolar-se para os céus a gratidão imensa, primeva, que liga os mundos e seres, iluminando-nos na comunhão com os antepassados, os guias, os mestres, os anjos, a Divindade...
By the night, well inside, we feel: don't stop, even if it is to late... Indeed, the wings of the soul and the fire of the spirit make us work, pray or worship with gratitude and love, in the night's blessing silence of the unfathomable Unity...
                                           
II - Bem aventurados os que mesmo de dia conseguem atravessar auto-conscientemente esse tempo que os medeia da noite estrelada e se mantém em comunhão, entrecortada ou permanente, com as águas ou energias subtis da Unidade do Inconsciente e do Supraconsciente, onde mergulham ou já se banham mesmo durante o dia, pesem as muitas distracções, contrariedades e obstáculos que encontrem no seu trabalho e caminho, que deve ser cada vez mais de luz, amor e consciência profunda e unificadora, intensificada ou clarificada pelas adorações verticalizantes intensas, as audições súbitas, as visões subtis, os momentos de amor sentidos ou partilhados.
Mantermos aberta ou sintonizada a unidade dos mundos e dos estados psíquicos numa unificada consciência é uma tarefa grande ou exigente que nos desafia a sairmos dos compartimentos estanques e das medianias das agitações, cansaços e indignações para estarmos cada vez mais em lucidez, paz e amor...
Saibamos pois manter a chama do coração acesso e a consciência expandida, crendo e lutando por um futuro melhor para a Humanidade...